Pequenina e sonhadora, assim era ela… Desde que se lembra, sempre
sentiu uma necessidade incrível de rodopiar o corpo ao encontro dos sons que o mundo lhe dava. Só assim se sentia natural.
Cresceu mais um bocadinho, e a mãe ofereceu-lhe uma
televisão para por no quarto. Nessa mesma semana começa uma novela em que a
dança era palco principal. Horas davam e ela nem os olhos piscava, fascinada de
frente para aquela caixa pouco colorida onde as imagens eram o centro do
universo. Os seus olhos pareciam estrelas.
Ao dia seguinte, ela ia buscar um pano da cozinha da mãe,
enrolava-o à volta da cintura e colocava-se em frente do pequenito espelho a
tentar recriar os movimentos antes vistos. À noite a televisão era um palco, no
dia seguinte ela tentava ser a actriz principal daquela novela sem personagens.
Os anos foram passando, e aquela menina sonhadora cresceu. A
vida tomou rumos diferentes aos que ela sempre sonhou.
Agora uma pequena mulher, vê as coisas de forma diferente.
Em pequena, sonhava ser como aquela actriz, ter roupas bonitas e brilhantes,
com o cabelo comprido e uma maquilhagem árabe. Queria rodopiar o corpo ao som
da melodia, enquanto os olhos se cruzavam com o homem da sua vida, mas hoje, já
nada é assim…
Ela não realizou o seu sonho de menina, mas o seu sonho de
menina também mudou quando ela se tornou mulher.
A dança continua a ser o centro da sua existência, mas se
ela antes o fazia para mostrar aos outros, ela hoje fá-lo para se surpreender a
si própria, para, dia após dia, superar as suas dificuldades e abraçar os seus
dons que desde menina foram crescendo com ela.
Ela dança porque dançar não é apenas uma arte, é sim uma
forma de vida.
É o ser actriz do palco da vida, o mostrar aos outros por
movimentos o que sente. É ser a voz muda de uma melodia sem fim. Dança não só
para exprimir os sentimentos, mas também para viver os sentimentos exprimidos.
É como um labirinto em que as paredes estão cheias de memórias e momentos, e a
cada passo ela se embrenha cada vez mais neles.
Dão-nos aquele abraço apertado, em que para continuarmos
temos de dar mais uma pirueta e espalhar aquele abraço gigante pela audiência.
Espalhar a magia.
E, naquele dia, o espectáculo de emoções até pode acabar, mas
a cada segundo que a alma dela quiser, ela volta a cantar aquela melodia de incríveis
letras mudas para quem tiver o desejo e a força de a conseguir ler.
Porque para ela, dançar não é só mais um hobbie, mas sim a
sua vida escondida, aquela em que quando despe a roupa diária, se torna a
personagem da sua novela real.